segunda-feira, 22 de setembro de 2008

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Antropofagia

No dia 11 de janeiro de 1928, a pintora Tarsila do Amaral (1886 - 1973) oferece a Oswald de Andrade (1890 - 1954), como presente de aniversário, uma de suas recentes pinturas, sem saber que ela viria a ser a propulsora de uma das mais originais formulações teóricas sobre a natureza específica da arte moderna brasileira. Enquanto contemplava aquele estranho homem pintado por Tarsila, de pés enormes fincados na terra, cuja pequena cabeça parece apoiar-se melancolicamente em uma das mãos, cercado por um ambiente seco e quente, tendo como testemunha apenas o céu azul, o sol e um misterioso cacto verde, Oswald de Andrade foi indagado por seu amigo e escritor Raul Bopp (1898 - 1984), que o acompanhava na observação: "Vamos fazer um movimento em torno desse quadro?". Abaporu (1928), que em tupi-guarani significa "antropófago", foi o nome escolhido para aquela figura selvagem e solitária. Funda-se em seguida o, Clube de Antropofagia, juntamente com a Revista de Antropofagia, em que é publicado o Manifesto Antropófago escrito por Oswald de Andrade como o cerne teórico do movimento nascente, que se dissolve com a separação entre ele e Tarsila, em 1929. Com frases de impacto, o texto reelabora o conceito eurocêntrico e negativo de antropofagia como metáfora de um processo crítico de formação da cultura brasileira. Se para o europeu civilizado o homem americano era selvagem, ou seja, inferior, porque praticava o canibalismo, na visão positiva e inovadora de Andrade, exatamente nossa índole canibal permitira, na esfera da cultura, a assimilação crítica das idéias e modelos europeus. Como antropófagos somos capazes de deglutir as formas importadas para produzir algo genuinamente nacional, sem cair na antiga relação modelo/cópia, que dominou uma parcela da arte do período colonial e a arte brasileira acadêmica do século XIX e XX. "Só interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago", bradou o autor em 1928.

Modernismo

O modernismo no Brasil tem como marco simbólico a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, no ano de 1922, considerada um divisor de águas na história da cultura brasileira. O evento - organizado por um grupo de intelectuais e artistas por ocasião do Centenário da Independência - declara o rompimento com o tradicionalismo cultural associado às correntes literárias e artísticas anteriores: o parnasianismo, o simbolismo e a arte acadêmica. A defesa de um novo ponto de vista estético e o compromisso com a independência cultural do país fazem do modernismo sinônimo de "estilo novo", diretamente associado à produção realizada sob a influência de 1922. Heitor Villa- Lobos (1887 - 1958) na música; Mário de Andrade (1893 - 1945) e Oswald de Andrade (1890 - 1954), na literatura; Victor Brecheret (1894 - 1955), na escultura; Anita Malfatti (1889 - 1964) e Di Cavalcanti (1897 - 1976), na pintura, são alguns dos participantes da Semana, realçando sua abrangência e heterogeneidade. Os estudiosos tendem a considerar o período de 1922 a 1930, como a fase em que se evidencia um compromisso primeiro dos artistas com a renovação estética, beneficiada pelo contato estreito com as vanguardas européias (cubismo, futurismo, surrealismo etc.). Tal esforço de redefinição da linguagem artística se articula a um forte interesse pelas questões nacionais, que ganham acento destacado a partir da década de 1930, quando os ideais de 1922 se difundem e se normalizam. Ainda que o modernismo no Brasil deva ser pensado a partir de suas expressões múltiplas - no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco etc. - a Semana de Arte Moderna é um fenômeno eminentemente urbano e paulista, conectado ao crescimento de São Paulo na década de 1920, à industrialização, à migração maciça de estrangeiros e à urbanização.